Há quem ache estranho, até mesmo
confuso, o fato de personagens do universo ficcional contarem fatos
do mundo real. Mas, os que aqui se prestam a esse contar são mais
que personagens; são autores! Foram escolhidos por mim justamente
porque tenho que contar minha história de leituras, e, sem eles,
minha história seria muito diferente. Assim que os escolhi e é
tarefa deles darem conta do que li. Afinal, se tantas vezes me juntei
a eles, seria injusto eles nunca se juntarem a mim. Escolho assim
três autores para narrar essa história. Deixo claro que ficará por
conta deles o modo a ser contado e ouço, não sei de qual deles, que
é justo que ao menos um pouco seja irreal. Resolvem que eu não
serei eu, aliás, serei, mas não figurarei com o meu nome. Passo
então a palavra aos meus três autores, a saber: Brás Cubas, Paulo
Honório e Rodrigo S. M. e percebo, ainda antes de me retirar, que já
brigam por um título da história. Não sei não o que terei após
esse encontro de autores de tempos tão diferentes!
Uma Macabéa no mundo dos
livros,
Ou Sete sem a rádio
relógio
"Tudo no mundo começou com um sim. Uma
molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida". Ela já
existia desde 20-8-1972. Porém, a meu ver, ela começa a nascer em
1979. Talvez porque eu a tenha conhecido neste ano.
Quero antes afiançar que essa menina não se conhece senão de ir
vivendo. Eu a vi chegar sozinha, vestia uma saia azul marinho,
plissada. A camiseta hering branca ainda não sabia que deixaria de
ser uma simples malharia para ser grife. Foi o primeiro dia de aula.
Crianças corriam e puxavam suas mães pelas mãos. Ela continua
sozinha. Soou o sino e diversas filas formaram-se. Ao ouvir o lugar
que os novatos deveriam ocupar, enfileirou-se.
Na sala a professora apresentou-se: Márcia. Depois pediu aos alunos
que se apresentassem. Ouvi um "quero ser professora". A voz
e a saia pertenciam à menina. Deu-se a hora da chamada, pensei que
conheceria o nome dela, mas não foi chamado. Levantou-se e foi até
a professora Márcia que não soube dizer a razão da ausência na
chamada, mas pediu que no dia seguinte voltasse junto com a mãe. Foi
o pai. A mãe era muito ocupada com as irmãs menores. Soube-se então
que a menina era nascida 20 dias após o tempo permitido para
matricula no ano letivo, por conta disso não podia estudar já que
só completaria sete anos em agosto. A menina chorou, o pai conseguiu
que ela ficasse assistindo aula, mas qualquer mau comportamento e sua
permissão seria cancelada. Foi aluna curiosa e melhor que muitos dos
matriculados. Mas, ao término do ano letivo, suas notas, ainda que
acima da média, não garantiram seu ingresso na série seguinte.
Tomado por uma curiosidade corrosiva voltei no ano seguinte para
descobrir o nome dela. Está mais crescida. A saia plissada tem uma
cor desbotada, o branco da blusa ainda é quase o mesmo, apesar de
gasto. Vejo que traz às costas uma bolsa azul e amarela, descubro
que foi um caro presente pelo ano anterior.
Pretendo escrever de modo simples. Aliás, o
material de que disponho é parco demais. Sim, mas não esqueço que
o meu material básico é a palavra. Desculpai-me, mas vou continuar.
Um segundo primeiro ano. A professora apresenta-se. Seu nome,
Iracema. Pergunto-me se a menina lerá Iracema,
se a professora contará a história de Iracema. Não. A professora
faz um crachá para cada aluno e os coloca nas carteiras. Não posso
olhar os crachás e descobrir o nome dela, então fico atento a
Iracema que está apta a fazer a chamada. Um número! A professora
deu um número para ela! Ela é 7. Se7e? Sete? Que seja Sete então,
não a abandonarei por conta disso.
Autores reais não fazem parte desse contar, mas é possível que
Sete descubra que Mário de Andrade já contara dos números das
pessoas. Sete, se viver o bastante para ler "Primeiro de Maio",
saberá o que significa ter um CPF, PIS, um número de inscrição.
Um número de classificação.
Será que eu enriqueceria esse relato se usasse alguns difíceis
termos técnicos? De uma coisa tenho certeza: essa narrativa mexerá
com uma coisa delicada. Não, não é fácil escrever. Neste segundo
primeiro dia de aula acompanhei Sete até sua casa. Não tinha
novidades, tudo era muito igual ao ano anterior. Encontrou a mãe com
todas as tarefas por fazer, rasgando um livro e queimando pedaço por
pedaço. Pediu pelo almoço e a mãe explicou que Sete era a única
culpada por tudo estar atrasado. Ouço a mãe de Sete dizer que não
sabe a razão de a filha ter retirado de algum lixo um livro grosso,
de folhas encardidas e sem nenhuma figura. A mãe explica que
encontrou o livro e começou a ler para saber o que aconteceria à
moça e à sua família que sofria muito com as mortes por conta da
fortuna em ouro em suas terras. Conta que a moça até viajou de trem
com o pai e que muitas mortes aconteceram, mas que ao chegar às
últimas páginas do livro descobriu que a história continuava no
volume II. Por isso estava rasgando, já que não tinha fim.
Atrevo-me a dizer que a mãe de Sete nunca mais lerá um livro sem
antes se certificar de que o mesmo tenha fim.
Nessa minha ida ao futuro para saber da mãe de Sete se passaram
alguns anos. A família mudou-se de cidade e só consegui encontrá-la
em 1983, a aula é de Educação Física. Ao contrário dos colegas
Sete usa uma saia e chinelos de dedo. Dirige-se à professora e conta
alguma história da sua indisponibilidade. Fico distante, mas consigo
ver que ela, logo depois de falar com a professora, pede a um colega
um livro esquecido fechado sobre o banco. Este empresta. Fico a olhar
o olhar dela e percebo que lê rápido, parece querer terminar até o
final da aula, mas não dá conta. Vejo-a novamente dirigir-se ao
colega e dizer algo, não sei o que é, mas presumo que tenha pedido
para levar o livro para casa. Afinal, foi isso que aconteceu.
Já na casa diz à mãe que é tarefa do
colégio e livra-se de ajudar nos afazeres domésticos. Sete tem nas
mãos A Ilha Perdida,
de Maria José Dupré. O olhar dela se perde nas aventuras com os
micos e é visível a simpatia por Simão. A devolução do livro no
dia seguinte é a garantia de novos empréstimos.
Pergunto-me se eu deveria caminhar à frente
do tempo e esboçar logo um final. Eu, que tantas vezes acompanhei
Macabéa, resolvo que vou assistir a uma aula com Sete. Vejo-a
conversando, durante a aula, com uma colega dois anos mais velha.
Depois, no meio do caderno, vejo um livro. O professor escreve no
quadro e não vê Sete retirar o livro e colocar na bolsa. Após isso
ela mantém o olhar atento aos movimentos do professor, não sei se
entende o que ele diz. Vejo-a empolgar-se quando o professor começa
a ler uma história. Ele, no entanto, interrompe a leitura e diz que
a história continua sim, mas é hora de continuar a matéria. Sete
pede ao professor para ir ao banheiro, ele consente. Aproveito a
saída dela e dou por encerrada a minha visita, mas vejo que Sete não
se dirige ao banheiro, sim à biblioteca. Lá diz que foi buscar o
livro da velhinha lambreteira, a bibliotecária pede nome da obra e
autor. Sete não sabe. Volta para a sala de mão abanando.
Aquele livro escondido durante a aula do
professor é um romance. A amiga empresta tantos desses livros a Sete
que não consigo nem dar conta dos nomes. Um dia flagrei Sete
devolvendo um deles e perguntando à colega: "o que é
despiu-se", a colega responde. Encorajada Sete indaga: "e
tépido"? Novamente a colega satisfaz a curiosidade.
Interessei-me por saber o que eram exatamente esses romances e sei
dizer que são aqueles livros trocados/vendidos nas bancas de jornal.
Sete os lê cada vez mais rápido, algumas dezenas de dúzias de
títulos passam por suas mãos, até que o pai a surpreende lendo,
abre o livro aleatoriamente, e, para infelicidade de Sete justamente
na única página "imprópria".
O livro é incinerado. Sete desespera-se
porque não é seu e terá que devolvê-lo. O pai, após recomendar a
leitura da Bíblia,
sai. Fico em dúvida se ajudo Sete a dar conta da fogueira ou se sigo
seu pai, opto pela segunda opção. Assim, acompanhei-o de longe e
vi-o entrar na biblioteca municipal. Sentei-me por perto com uma
Enciclopédia nas mãos e ouvi-o dizer à bibliotecária que não
deixasse a filha retirar romances outra vez.
Sete descobriu isso no dia seguinte ao falar com a bibliotecária.
Esta bem conhecia Sete e o pai dela e então mostrou à menina o
bilhete que o pai deixara proibindo-a de ler tais livros. Eu, ainda
na Enciclopédia do dia anterior, vi a menina consentindo com a
cabeça, sem nenhuma palavra, a não ser uma pilhéria sobre o fato
de o pai ter escrito seu nome errado. Em seguida dirigiu-se à sessão
dos romances, pegou um deles, certificou-se de que não estava
faltando folha e o leu inteiro. Voltou vários dias a biblioteca e os
leu lá, assim os livros não corriam o risco de serem rasgados,
queimados ou terem quaisquer outro fim.
Se ainda escrevo é porque Sete descobriu quem era o autor da
velhinha lambreteira. Claro que só muitos anos depois ela vai saber
que Stanislaw Ponte Preta é um pseudônimo do Sergio Porto, mas isso
não importa, agora ela só quer saber o que a velhinha traz no saco,
digo, na lambreta. Ou melhor, a lambreta.
As leituras de Sete são sempre escolhidas por
ela. Os volumes grandes, ainda que com letras minúsculas, não a
intimidam. Começa a freqüentar a biblioteca da escola e a
bibliotecária, que é a mesma senhora da cozinha, um dia conta que
sua filha chama-se Pollyanna por conta de um livro onde a heroína
tinha esse nome. Isso atiça a curiosidade de Sete, que não sossega
enquanto não lê a Eleanor H. Porter com sua Pollyanna.
Sete chorou, mas acho que não gostou muito da menina que se
contentava e dava graças a tudo, tudo. Sete nunca praticou o jogo do
contente.
Chega o dia em que Sete começa a pular as páginas dos livros. De
longe imagino que é por falta de tempo, já que tem que ajudar a mãe
com as irmãs menores, mas não, já que logo tem um novo exemplar
nas mãos. Confesso que não sabia que Sete já havia percebido que
as histórias que lia possuíam a mesma estrutura e por isso pulava
as páginas, já que nada de novo era apresentado. Esse período de
pular páginas continuou com ela por alguns anos, acho até que ela
nunca abandonará isso já que vez ou outra tem diante de si
histórias recontadas, às vezes, requentadas.
Perdi-me no calendário, a menina criada em
1979 já se encontra em 1986. Está crescida e lê ainda. Traz à mão
um exemplar capa dura, do Jorge Amado. Junto um resumo. Sigo-a e vejo
na porta da sala que está na 8ª série. A professora pede aos
grupos que apresentem seus resumos à sala antes de entregá-los para
nota. Sete tem um resumo escrito de Mar
Morto, mas não recorre a ele para
contar a história, percebo que o maior resumo oral é o seu. Após
Sete, uma colega apresenta Capitães
da Areia. A professora deu a tarefa
por encerrada e, nisto, vejo Sete solicitando o Jorge Amado da colega
para ler. Também ela quer percorrer as páginas dos meninos de rua.
E agora — agora quero fumar um cigarro — mas antes tenho que
passar a narração ao Brás Cubas. Mas que não se lamentem os
mortos: eles sabem o que fazem.
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"Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo
princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar" o
que Sete leu (não sei se o Rodrigo acerta na escolha desse nome) ou
o que Sete lê; mas, coube a mim esse trecho da história e serei
apenas o meio. Nem o inicio. Nem o fim. Dito isto, peço que me
perdoem (ou não) a ironia, mas eu, que vivi muito e ainda após
minha morte tenho acompanhando o mundo, não entendo como os
professores não se cansam de pedir resumos!
Este recente caso que o Rodrigo S. M. contou
fez-me lembrar que um outro professor também pediu um resumo. Por
conta disso uma colega de Sete devia ler e resumir O
Alienista. Reclamou com Sete e teve
nela tudo o que precisava. Não só o resumo, mas também a
reprodução da história.
"Não sendo meu costume dissimular ou
esconder nada", contarei que Sete ainda tem por colega a dona
dos romances da 5ª série e ambas lêem os Sidney Sheldon, Janet
Dailey, Harold Robbins e muitos títulos da Coleção
Sabrina, Coleção Bianca, Coleção Júlia, Momentos Íntimos.
Trago aqui alguns dos títulos com suas respectivas autoras: Pássaro
de Ouro, Barbara Cartland; Amante
indócil, Janet Dailey; A
sereia de Cowrie Island, Kerry Allyne; Mitsi, M. Delly;
Sob o signo da paixão, Laurel Ames; O Rival, Rosemary
Carter; Encontro mágico, Janelle Taylor e Pacto de ódio,
Anne Hampson.
A amiga até deu a Sete dois exemplares da
Agatha Christie, mas após ler Os
Doze Negrinhos e Os
Elefantes não Esquecem a menina deu
por encerrada a sua seara de leituras policiais. Não, minto, no
futuro ela lerá um outro livro do gênero, mas o Jô Soares ainda
não escrevera O Xangô.
Sem nenhum interesse pelo detetive Hercule Poirot, Sete encanta-se
com a história de amor do padre em Pássaros
Feridos, de Collen McCullough. Noto
que chora em alguns momentos e em outros pula as páginas para
adiantar a história.
Exatamente dois dias depois arrisco visitá-la
à noite. Encontro as luzes da casa apagadas. Fico por ali um momento
e noto uma luz que se acende. À espreita deduzo que é Sete. Esta se
dirige ao banheiro e, após apagar a única luz que clareava, lá
acende uma outra. Demora-se tanto que ouso olhar pela janela de
vidro. A luz, fraca e amarela, ilumina uma menina sentada no chão
sobre roupas deixadas para lavar. Forço o meu olhar e lágrimas
banham a face de Sete. Em suas mãos o Segredo
de Uma Promessa é desvendado à
medida que Danielle Steel autoriza. Dias depois a encontro com a
versão infantil de Dom Quixote;
era de uma colega e não sei se chegou a ser devolvido. Creio que há
um Cervantes nos seus livros.
Olho no calendário é já o ano seguinte.
Adianto que fiquei vexado e aturdido. Vejo outra professora na tarefa
de dividir a sala em dois grupos. Para um deles cabe a acusação,
para outro a defesa da mulher de Bentinho. Sete que até este dia
lera vários fragmentos do livro Dom
Casmurro, bem queria que a obra se
chamasse Capitu. Na semana seguinte volto curioso para saber o que
Sete dirá. Ouço-a conversar com uma amiga sem saber se Capitu traiu
ou não o Bentinho, os fragmentos não deram conta disso. A amiga diz
o que leu e Sete participa do júri simulado de maneira fragmentada.
O júri encerra-se com a voz da professora dizendo: "Capitu não
traiu Bentinho, mas a equipe de acusação apresentou provas que a
defesa não deu conta de refutar". Sete, ao saber da conclusão
da professora, não me permitiu saber se seus olhos secaram ou se
ressecaram, sei que essa obra do Machado foi-se.
Os dias passaram. Fui vê-la uma vez mais no
colégio. Por acaso era a mesma professora do parágrafo anterior.
Naturalmente a conversa com os alunos versou para um resumo! Sim, da
obra Quincas Borba!
Efetivamente nunca mais voltei a ver Sete nesse ano. Então que não
sei se esta professora incumbiu os alunos de novas leituras, mas vi
Sete com um livro de um tal Roberto, não sei se Freire. O livro era
o Sem Tesão Não Há Solução.
Também não sei se Sete procurava solução ou o tesão na obra.
Também a vi na biblioteca municipal, ainda é a mesma bibliotecária,
retirando um volume com o título Feliz
Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva.
Devolveu-o uns dias depois, sem ler e pegou Cristiane
F., 13 anos, Drogada e Prostituída.
Esse leu até o fim certa de que nunca seria uma Cristiane, nem mesmo
uma Marcela.
Esqueço-me de Marcela e resolvo seguir Sete.
Ri-me, depois hesitei por um momento diante da bibliotecária que
perguntou a Sete o que achou do livro
Cristiane F. ., 13 anos, Drogada e Prostituída.
Já estava para respondê-la quando Sete disse: "nunca usarei
droga" e deu por respondida a questão. Procurou um novo livro e
saiu com o Arnaldo Jabor nas mãos, era o Eu
Sei Que Vou Te Amar. Com efeito, ao
cabo de dois dias encontro Sete novamente. Estava ela com o Taunay,
digo, com o livro Inocência.
Já ia me esquecendo do autor mais conhecido do Brasil! Sim, o que
faz parte da Academia de Letras. Sete leu dois de seus impressos: O
Alquimista e
Na Margem do Rio Piedra eu Sentei e Chorei.
Tenho minhas dúvidas se o Machado não choraria! Ou se não faria
alguma alquimia para que a Academia nunca tivesse surgido.
Para dizer a verdade a vida de Sete muda um pouco. Está no segundo
ano do colegial e o faz à noite. Conta ela agora com uns quinze para
dezesseis anos. Arrumou um emprego em um consultório odontológico,
trabalha oito horas por dia e esqueceu que quer ser professora.
Ouvi-a dizer que a profissão a ser seguida é a de dentista. Tenho
cá comigo umas duvidas já que na primeira semana no emprego Sete
volta para casa e não consegue sequer se alimentar. As bocas que lá
vão causam náuseas. Mas eu não quero passar adiante sem contar que
semanas depois Sete acostuma-se.
De envolta com a história das leituras é
preciso dizer que a correria do trabalho e das aulas noturnas
rareiam-nas. Ainda assim, não é impossível vê-la trocar as
tarefas do colégio por um exemplar do Sidney Sheldon: A
herdeira; Nada dura para sempre; Se houver amanhã; O reverso da
medalha e muitos outros. Também a
vi muitas vezes lendo gibis, tinha um certo apreço pelas histórias
do Fantasma, mas era o gênero romance que estava sempre presente.
Neste ano, no entanto, foram bem menos os Harold Robbins, as Danielle
Steel e os demais romances trocados. Foi esse o ano que Sete
reprovou, não se deu bem com a trigonometria, nem com a professora.
Mas esta me lembrou o Ludgero Barata. Suspendo a pena para meu
ex-professor e volto a Sete.
Fez o repeteco.
Depois, a última série encontrou-a ainda trabalhando; e tem sempre
um romance à mão.
Sete prestou o primeiro vestibular para Administração. O curso de
odontologia havia se perdido, ainda que ela não soubesse. Por
distração não passou no primeiro vestibular, somou um dos
gabaritos errado, uma questão a mais e ela seria administradora.
Ano seguinte Sete acha que é necessário
fazer cursinho. Lá percebe que a professora de Literatura conta
resumos (hás de ser sempre a mesma cousa) das histórias catalogadas
para o vestibular. Ouço, numa dessas minhas aparições (não, ainda
não é a de Vergilio), a professora contando o Guarani.
Sete, míope na primeira fila, percebe que a professora conta o
resumo de algum resumo e termina a história. Assim, desfila-se uma
história de leituras obrigatórias. Sete parece não gostar do que
lhe é imposto. Até começa uma determinada obra, mas se essa não
ativa em Sete alguma coisa, é deixada de lado sem nenhum receio de
prejuízo, ainda que valesse uma questão inteira no vestibular. Um
desses que foi impiedosamente deixado foi o Olhai
os Lírios dos Campos, do Érico
Veríssimo. Sete nunca o retomou, mas sabe que está em divida.
O José de Alencar de sua primeira professora
(oficial) foi lido com muitas páginas puladas. Depois de Iracema,
Lucíola,
Senhora e
Sertanejo, Sete chorou muito ao ler
o Lobato contando a história da Negrinha.
Fiquei só. Desde então fiquei perdido. Às
vezes, é, tem acontecido, me deixo lá ouvindo os soluços de Sete e
esqueço de que minha tarefa é contar suas leituras. Estou entre os
anos de 1991 e 1997. Ao cabo de alguns anos de peregrinação caí em
mim e é preciso informar que Sete aventurou-se por diversos
vestibulares. Depois do quase sucesso na Administração fadou-se por
outros rumos sem norte.
Era já o fim de 1997 quando a vi indo e vindo
entre borboletas num borboletear-se amarelo e vivo. Trazia consigo
Cem Anos de Solidão.
A Remédios, do Gabriel Garcia Márquez, flutuava com as borboletas e
Sete colou-se nela com um entusiasmo capaz de reler o capitulo.
Percebi um olhar de esperança ao ler essas páginas e que a mesma
foi engolida junto com a última personagem, pelo suíno. A morte de
Remédios deixou em Sete um ar cheio de borboletas. — Vejam como é
bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela
fosse azul, não teria mais segura a vida!
No ano seguinte Sete começou a graduação
nas Letras. Era uma acadêmica de prolongar a Universidade pela vida
adiante. Fui ter com ela um dia. E aí, como um escárnio, vi que o
professor orientou os alunos a lerem alguns livros e fazerem, sim,
fazerem resumos (malditas idéias fixas!). A dessa ocasião era o Mar
Morto. Há tempos Sete havia lido o
romance, era só mudar o nome de resumo para síntese e estava pronta
a tarefa. Só que o professor também pediu a caracterização das
personagens, Sete releu a obra. Deixei-a para voltar semanas depois.
Nessa época Sete já havia descoberto os bons contistas. Não foram
poucas as vezes que um Dalton Trevisan, Clarice, Guimarães Rosa,
Lima ou Machado fizeram companhia a ela. Inclusive um Marçal Aquino
teve o seu O Amor e Outros Objetos
Pontiagudos, lido. Não sei se o
achou bom contista, creio que não. Passou logo para o Vaso
Azul, do senhor João Anzanello
Carrascoza, outro que se diz contista! Mas, devo dizer, que
dificilmente a vi com um poema, afora os dados e lidos durante as
aulas.
Um sorriso magnífico lhe abriu os lábios.
Sete descobre alguns dos clássicos, entre eles, vejo Plauto, por seu
Anfitrião,
também o Virgílio com sua Eneida.
Sei de sua simpatia por Medeia,
de Eurípides e de sua quase aversão a Penélope, do impacto causado
pela obra Satyricon
com suas cenas tão antigas e ainda atuais. Os
Lusíadas teve seu cântico IV bem
lido, mas, "inteiro", só em uma versão infantil. Também
nesta versão Sete leu Robinson
Crusoé. Já O
Auto da Barca do Inferno foi lido na
integra, não sei se Gil Vicente vê crédito nisto.
Apesar do meu saber ser limitado, acredito que Sete é dada à
catarse, não sei se chega a purgar os seus males, mas, vez ou outra,
observo seus olhos e há neles lágrimas sentidas. Ressalto que é
difícil ver nela o riso da alegria, as comédias parecem ser
amarelas aos olhos dela, mas não de um amarelo vivo, sim de um sem
graça.
Ora aconteceu, que, uma voz misteriosa
sussurrou: "veja os livros no armário dela!" Foi o que
fiz. — Acredita-me? — Pois estavam lá divididos em lidos e para
ler. Resolvi olhar os lidos. Comecei pela Lygia Fagundes Telles:
Ciranda de Pedra,
Antes do Baile Verde,
As Meninas;
depois a novela do Luiz Villela: Te
Amo Sobre Todas as Coisas; e também
uma novela do Machado de Assis, Casa
Velha; ainda os contos e romances do
Ivan Ângelo: O Ladrão de Sonhos;
Pode Me Beijar se Quiser; O Comprador de Aventuras e Outros Contos. O
Homem que Sabia Javanês e Outros Contos, Histórias e Sonhos,
do Lima Barreto. Monsieur Teste,
Paul Valéry; A Moreninha,
Joaquim Manuel de Macedo. Sereníssima,
da Erica Jong e O Mário de Andrade com o Macunaíma.
E por falar em Macunaíma,
ela também leu, do Jorge Miguel Marinho, o Te
dou a lua amanhã...
Defendi-me do melhor modo com essa
voz misteriosa.
Há aí uma alma sensível que decerto começa
a tremer pela história das leituras de Sete. Retira, pois, a
expressão alma sensível. Com efeito, não percebi que A
Festa, do Ivan Ângelo,
terminou e que Sete ia e voltava por
seus incômodos.
Sorrateiramente volto à noite ao armário
dela. Lá estão os livros. Não sabia que Sete tinha passado férias
com Somerset Maugham. Ah, e foram Férias
de Natal. Natal? Sete nem comemora
natal, uma vez a ouvi dizer que isso é mera ficção. Natal? Isso
me intrigou. Será "O Peru de Natal", do Mário de Andrade?
Sete tem simpatia por ele desde que descobriu porque era um número
em "Primeiro de Maio". Esqueço o natal ao notar a ordem de
Clarice: Água Viva, Uma Aprendizagem
ou O Livro dos Prazeres e, claro, A
Hora da Estrela. Depois percebo o
David Herbert Lawrence: A Virgem e o
Cigano, Mulheres
Apaixonadas e O
Amante de Lady Chatterly.
Ao fundo vejo livros de contos do Murilo
Rubião, Rubem Braga, Rubens Fonseca, Mário de Andrade, Clarice
Lispector e meu autor real, o Machado de Assis. Entrei a desconfiar
de qual Cartomante
Sete gostou mais. A de Machado ou a de Clarice? Era o que eu buscava
saber. Sete dorme agora, senão, sério que perguntaria, nem que isso
lhe revelasse minha presença.
Enquanto eu fazia comigo esse reflexão quase
deixo cair A Bela da Tarde,
do Joseph Kessel. Será para Sete a Severine mais consistente que a
Hélène Lagonelle da Marguerite Duras, no seu O
Amante? Talvez Sete ainda não saiba
se Madame Bovary,
de Flaubert, poderia ser a mesma personagem de Balzac na Mulher
de Trinta. Ou se esta, no passado,
fora Lolita
nas páginas de Vladimir Nabokok! Bem poderia ter vindo ao Brasil e
sido A
Polaquinha, do
Dalton Trevisan! Interrompo minhas divagações ao ver que a
seqüência traz O Vermelho e o
Negro, Stendhal. Não, não tenho
que acordá-la para saber.
Perco-me novamente em um calendário qualquer.
Sete ignora-me não só por não saber de minha visita. Também
porque lê Zero, do
Ignácio de Loyola Brandão, e afia-se na ironia ao perceber os
romances tão lidos por ela. Sinto nela uma ironia que corrói, não
sei se a encontrou nas suas leituras dos contos machadianos, se no
Lima Barreto ou mesmo Stendhal. Não sei se ri de si ou de mim por
atrever-me a enveredar por leituras dignas de uma heroína
problemática.
Volto-me então novamente para seus livros e
lá vejo A Força do Destino
e A Casa da Paixão,
da Nélida Piñon. Questiono se não abandonei Marta (ou Sete?) no
momento que quebrou os dois vasos, talvez tive medo de ver-lhe o sol
banhando sua pele. Ernest Hemingway, no entanto, por saber que O
Sol Também se Levanta deixou que
Sete voasse com A Asa Esquerda do
Anjo, da Lya Luft. Talvez por isso
ela tenha chegado a Ituiutaba e nas páginas de Luiz Vilela conheceu
Graça.
Ou Lewis Carroel a deixou participar d'As
Aventuras de Alice no País das Maravilhas?
Depois de uma
Tempestade sei que pode ser A
megera domada, do Shakespeare.
Aliás, não sei. Nunca entendi as mulheres.
Sete, quais páginas lê que não me tira
desse inferno de Dante que é narrar sua história e mais parece o
sétimo circulo de A Divina Comédia?
Ri de que se sabe que é ficção, da Simone de Beauvoir, e nem Todos
os Homens são Mortais? Pare de
indagar se o Sartre tinha idade ou razão quando escreveu a Idade
da Razão! Livre-me do quadro de
Oscar Wilde porque eu nunca teria duvida do amor de Siby. Ah, O
Retrato de Dorian Gray! Deixe-o lá
que insiste em conservar-se belo e perde o amor e a vida de Siby
porque se julga um Raymond Fosca melhor que o da Beauvoir! É dela as
Memórias de Uma Moça Bem
Comportada, não do Dorian Gray.
Enfim! Também me incomoda o fato de não
poder perguntar a Sete o que ela achou da humanização da Baleia no
Graciliano Ramos de Vidas Secas,
incomoda-me mais ainda não saber que critica ela fez ao ler os
escritos de Paulo Honório. Bem sei que não sou nem escrevo um São
Bernardo, mas tenho sim receio que
meu escrito seja comido pelas formigas que há muito estão no Triste
Fim de Policarpo Quaresma, do Lima
Barreto. Mas também, que pretensão tenho eu, se o Umberto Eco disse
que houve um livro que até hoje ninguém leu porque foi consumido
por labaredas nos templos beneditinos de O
Nome da Rosa. Ainda bem que não fui
envenenado.
Isto que parece um simples inventário traz à
tona a menina (porque insisto em chamá-la assim? Talvez eu pense que
tem a crescer com suas leituras, deve ser isso, deixemos por isso). E
isto basta a explicar a vigília. Talvez seja tempo de terminar minha
incursão por seus livros. Não me surpreendo ao notar que os
romances são os mais constantes, ainda que já quase equipare com os
livros de teorias. Então Sete leu Santa
Evita, do Tomás Eloy Martínez?
Sabia que tinha assistido ao filme, mas o livro? A Pessoa, de Evita,
parece-me uma heroína dos romances cor-de-rosa, afinal, basta
seguirmos a trajetória da personagem para bem sabermos que ela se
daria bem nos tempos de M. Delly, mas não via Zero!
Presente? Com dedicatória? Abro e leio. Tenho
em mãos o volume I de Operação
Cavalo de Tróia, de J.J. Benitez.
Sete o traz nos livros lidos. Será que da Emily Brontë Sete só leu
O Morro dos Ventos Uivantes?
Vejo um livro do Cristóvão Tezza é o Uma
Noite em Curitiba, Sete também leu
um conto com esse nome? Não, não, o conto é "O vampiro de
Curitiba" ou algo assim. Continuo minha peregrinação ciente de
que não darei conta da tarefa porque Sete lia muitos livros
emprestados, infelizmente ela não faz anotações do que lê, então,
não tenho culpa de não dar conta de tal tarefa.
Os portugueses aparecem em menor número, no
entanto há aqui Aparição de
Vergílio Ferreira, O Primo Basílio
e o Crime do Padre Amaro, do
Eça de Queirós. Certo é que Sete leu alguns bons contos
portugueses, ainda que pouco romances.
Nessa noite não pensei mais nas leituras de
Sete. Já estava para passar minha tarefa ao Paulo Honório quando a
encontrei com o Fernando Pessoa. Mas isso é poesia! Não sabia que
Sete lê poesia, revejo seus livros e há uns poucos volumes deles.
Lá o sr. Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Gregório de Matos, Ana
Cristina César e as Espumas
Flutuantes do Castro Alves. Uns
poucos poemas soltos do Mário Quintana e do Manoel Bandeira. Entrei,
sem ser visto. Ouvi-a ler o "Tabacaria". Indago,
silenciosamente, se praticado a metafísica. Creio que não, mas come
chocolate. Deixo-a lá, com o heterônimo Álvaro de Campos, ainda
com sua "Tabacaria". Sete sabe que nada é, mas tem todos
os sonhos do mundo.
Fato é que nunca mais voltei a olhar os livros de Sete nem a
assistir aula com ela. Eu me cansava da luz amarela e de alguns
professores que simplesmente não davam aulas. A verdade é que eu me
sentia pungido e aborrecido com os métodos que não mudavam nunca.
Assim, não assisti a nenhuma outra aula. Sete foi a todas. Não sei
como não mostrei a ela que em algumas aulas era melhor ter à mão
um bom livro.
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"Foi aí que me surgiu a idéia esquisita de, com o auxílio de
pessoas mais entendidas que eu, compor essa história". Quis ser
o primeiro a começar. Debatemos a transação até o lusco-fusco.
Não deixaram. Até ofereci trinta contos, e resolveram que começava
o Rodrigo S. M.
Num cinzento dia de 1999 a encontrei com os
olhos vermelhos e inchados. Aperuei meia hora e percebi, aberto no
colo, Amor de Perdição.
Não sei se encontrou lágrimas para ler um outro Camilo, penso que
não. Tentei debalde canalizar para termo razoável esta prosa que se
derrama como a chuva da serra, e o que apareceu foi um grande
desgosto.
Era já o fim de 2000 quando a visitei durante
uma aula. Vi-a recontando ao seu modo, que era o mesmo de Dumas
Filho, A Dama das Camélias.
O objetivo da leitura era apresentar as escolas românticas e
realistas, mas isso já é outra história.
Sol, chuva, noites de insônia e nem sequer me
resta a ilusão de contar uma história proveitosa. Visito-a
novamente e Sete traz consigo O
Ateneu, do Raul Pompéia. Novamente
é ela que conta à história aos colegas, depois dissecam o que
pensam ser a leitura da obra.
O tempo, do relógio, passa rápido com um livro nas mãos. Sete
prepara-se para a conclusão do curso, tem pronta a monografia.
Descubro que o tema não foi idéia dela, mas, visto seu repertório
de leituras, não poderia ser mais apropriado. Vejo que Sete passou
da catarse à critica com seus romances, tem bem delimitado os
prazeres e as fruições de seus livros. Volta e meia ela insere um
romance após um livro de teoria, parece balancear os seus objetivos.
A gente do eito se esfaldaria de sol a sol e
não se poderia reconstituir a história de Sete. Está visto que o
Brás Cubas já rondou os livros dela e o resultado é que faço o
mesmo. Já que ela traz tão bem separado o que leu do que lerá,
vou logo para o que há de por vir,
afinal, não sei se serei novamente requisitado para tal serviço:
Moby Dick,
do Herman Melville; A República dos
Sonhos e o
Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, da
Nélida Piñon; A Convidada, da
Simone de Beauvoir;
Memorial de Ayres,
Machado de Assis; O Colar de Veludo,
e O
Medalhão, do Alexandre Dumas;
A Relíquia, do Eça de Queirós;
A Cartucha de Parma, do Stendhal;
Memórias de um Sargento de Milícias, de
Manuel Antônio de Almeida; Pão e
Sangue e
A Guerra Conjugal, do Dalton
Trevisan; O Verão e as Mulheres, do
Rubem Braga. Catatau,
do Paulo Leminski; As Quatro
Estações, do Antonio Bulhões;
A Hora da Verdade, Pedro Bandeira.
Às vezes entro pela noite, passo tempo sem fim acordando
lembranças. Reflito que nos três últimos anos as leituras de Sete
alternam-se com as obras de teoria e ficção, sendo que há uma
dedicação maior àquelas.
Nisto percebo que é chegado o penúltimo
momento de minha tarefa, já é 2004! Sete tem em mãos A
Teus Pés, da Ana César. Não sei
que poesias ou tragédias passam por sua mente, sei somente que a vi
lendo Olga
uns dias depois de ter assistido ao filme. Demorou-se na carta de
Olga Prestes, ficou atenta a política que jazia na história da
moça.
De minha parte fico contente quando a vejo
lendo Viriato Corrêa, no Cazuza,
para alguma criança que aparece. Sei que não o leu na infância.
Talvez por isso também conste em seus livros
para ler Os
Colegas, da Lygia Bojunga. Há algo
da infância que precisa ser relido, ou lido. Mas, como já disse, é
o ano de 2004 e ouso recuperar que o que foi concebido em 1979 sofre
agora uma nova fase.
Enfim, após três anos de exaustivos
processos seletivos, Sete conseguiu um novo número. Agora
é Dois. Não ficou feliz nem
infeliz, talvez, como disse o Guimarães Rosa, ela alterne-se entre
esses dois momentos.
Mas, tenho quase certeza, que neste 2005 ela
vai reler as crônicas do Afonso Romano de Sant'Anna em seu Que
Presente te Dar. Já sei que começou
o ano lendo Dan Brown, no seu O
Código da Vinci, não sei se
infelizmente, mas foi logo esquecido diante do diálogo de Larry e
Ramírez construído por Manuel Puig na sua Maldição
Eterna a Quem Ler Estas Páginas.
Bom, mas há aqui O Risco do Bordado
e Os
Sinos da Agonia, de Autran Dourado,
o Pedro Páramo,
do Juan Rulfo e Sem Nome,
do Helder Macedo.
Passei uma semana nesse jogo, colhendo
informações sobre a idade, a saúde e as leituras dessa leitora.
Vejo, no entanto, que as Memórias
Póstumas de Brás Cubas são
melhores que as que eu conto em vida. Mas só eu sei que o Machado
não foi vencido por um "foi-se". Ela leu Dom
Casmurro recentemente.
...
Meus autores
tinham um número de páginas para contar essa história. Pelo visto,
em alguns momentos, correram contra as laudas e deixaram de lado
situações importantes. Volto então para dizer que o professor que
interrompeu a leitura na 5ª série, voltou a ser meu professor no
penúltimo ano da graduação e outras histórias conheci por conta
dele. Hoje ele está aposentado e atende pelo nome real de João
Bacelar Siqueira. Também esqueceram de contar que por três anos
consecutivos tive por professor de Literatura e Língua Portuguesa um
Engenheiro Civil. Talvez por isso o Brás Cubas tenha se horrorizado
tanto com suas visitas.
Os clássicos
foram-me apresentados pelo professor Aécio Flávio de Carvalho, que,
apesar de ter o mesmo sobrenome que eu, não é meu parente, mas é
quase sangüíneo o laço deixado por ele nas indicações das
epopéias e também da poesia lírica: Virgílio (Bucólias ou
Églogas); Catulo (Carmina); Ovídio (Ars Amatoria), Horácio (Odes).
As leituras dos
portugueses saíram das mãos da professora Evely Vânia Libanori e,
depois, da professora Marisa Correa Silva que apresentou Helder
Macedo, Cesário Verde, José Régio. Àquela não só indicou o
caminho aos portugueses, como entre gestos e mais gestos (ah os
italianos!) incitou em mim a curiosidade de saber o que havia na
Clarice Lispector. Depois, já encerrada a graduação, incentivou-me
a conhecer outros estilos e foi assim que li Santa
Evita,
resultando num trabalho apresentado em co-autoria. Ainda emprestou-me
(e devolvi) o Autran Dourado, depois o Cristóvão Tezza, entre
outros. Encerro por dizer que não cabe aqui a dívida que tenho com
a professora Evely.
E a Nélida Piñon? Ah! a Nélida!
Essa me chegou através da professora Lúcia Osana Zolin, que com seu
olhar feminino, com uma crítica feita por mulher, trouxe à tona uma
escrita de mulher.
Na seqüência,
tive por orientador de monografia o professor Arnaldo Franco Junior.
Ele, ao saber do meu gosto por romances, presenteou-me com A
Virgem e o Cigano.
Depois emprestou A
Força do Destino
e A
Asa Esquerda do Anjo.
Com o fim da
graduação freqüentei aulas na pós, na condição de aluna
não-regular, e, ainda que o curso versasse para a teoria, foi lá
que tive acesso às crônicas do João do Rio, José de Alencar, Lima
Barreto e Machado de Assis. A isso sou eternamente grata ao professor
Antonio Manoel dos Santos Silva, também por me apresentar o Zero
e as poesias de Ana Cristina César. E por recomendar-me o
entretenimento de Dan Brown, no seu O
Código da Vinci.
Antes de
encerrar essa história, ainda que o Brás Cubas não tenha entendido
como fiquei para assistir algumas aulas, ressalto que fiquei porque é
no meio do cascalho que se encontra a gema. Nessa bateia que é a
vida, as poucas gemas que encontrei (não posso esquecer da
professora de Prática de Ensino, a exemplar Claudia Hila)
serviram-me de exemplo e são eternas responsáveis (ah, eu li sim O
Pequeno Príncipe, do
Saint-Éxupéry) pelo que cativaram. Sou cativa e espero um dia poder
cativar (ou devo dizer libertar?) alguém quando assumir uma sala de
aula.
Cleiry de Oliveira Carvalho
(história de leitura solicitada como atividade do mestrado em agosto de 2005)
(história de leitura solicitada como atividade do mestrado em agosto de 2005)
A cativação? Há essa com certeza já desfrutou, e é apenas consequência de um passeio tão denso e frutífero por mundos tão distintos e belos os da leitura.
ResponderExcluirConfesso, almejo um dia conseguir metade dessa sua desenvoltura para a escrita, pode ser pretensão, tomo apenas como sonho.
De novo, e quantas vezes acredito passar por aqui e ler algo seu, darei os parabéns, o meu olhar minúsculo diante dessa grandeza, a da escrita, pode não fazer a menor diferença mas para mim, acredite, faz sim.
Oi!
ExcluirResposta atrasada, mas valendo: seu olhar não é minúsculo, nunca foi ;) --- uma estudante curiosa não se enquadra no perfil dos olhos reduzidos...
Creio, pela sua trajetória, que seu olhar dia a dia ganha novas camadas (entendo que ele pode ter sido algum dia mais superficial, mas não é mais!), ganha novas profundidade. A vida ensina para quem esta atento a ela. E você tem aprendido em diversos aspectos: na condição de mulher, na condição de professora, na condição de mãe (e todas as outras que te rodeiam)...
Eu sei que você tem uma estatura considerada pequena, mas saiba que a sua estatura é agigantada pelo papel que você escolheu ter nessa vida. Você é um grande acerto nessa existência.
Continuemos crescendo para o bem ;)
Abraço e saiba que crescemos juntas na FE/UFG. E seguimos depois nossos caminhos, é certo, mas a experiência marcou cada uma de nós.
PS: ainda bem que temos outros meios de comunicação para mantermos o contato! Esses 6 (seis) anos para responder não foram de ausência em outros espaços ;) --- ufa ;)