sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Baudelaire: O modernismo nas ruas" (para resenhar)

BERMAN, M. "Baudelaire: O modernismo nas ruas". In.: Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 1998. Páginas 129 – 165.

O ensaio, do início do século XX, apresenta alguns escritores e pensadores que se dedicaram à modernidade, porém, Berman (1998) defende que, se tivesse que apontar o primeiro modernista, este seria o poeta Baudelaire. E o ensaio se detém em torno de Baudelaire, da modernidade presente nos escritos e comportamentos do poeta.
Berman (1998) divide o ensaio em cinco partes:
1. Modernismo pastoral e antipastoral; 2. O Heroísmo da Vida Moderna; 3. A Família de Olhos; 4. O Lodaçal de Macadame; 5. O Século XX: O Halo e a Auto-estrada, e, nessa ordem apresenta desde as interpretações mais simples e acríticas instaurada por Baudelaire até "uma visão baudelaireana muito mais profunda e mais interessante" (1998; 131), ainda, da visão atual e moderna sobre o material e o espiritual e a visão confusa de Baudelaire sobre os benefícios e prejuízos da modernidade.

1. Modernismo pastoral e antipastoral
Neste tópico a vida dos burgueses é apresentada no prefácio ao "Salão de 1846" por Baudelaire. Este celebra os burgueses e os adula, mas esse espírito de adulação dura pouco no poeta. Berman entende que o motivo burguês adotado por Baudelaire foi inerente para o progresso pessoal, econômico, político e cultural.
Já em 1859-1860, Baudelaire apresenta uma posição diferente da tomada no "Salão de 1846". Ao escrever "O pintor da vida moderna" tem-se uma pastoral que destoa da antes celebrada em 1846. Agora "a vida moderna surge como um grande show de moda, um sistema de aparições deslumbrantes, brilhantes fachadas" (1989; 133) e não como "vocês são a maioria ― em número e inteligência; portanto vocês são o poder ― o que quer dizer justiça" (1989; 132). Berman acredita que o fato mais estranho da visão de Baudelaire sobre as pastorais seja o fato de elas o deixarem de fora. Para o autor as imagens defendidas pelo poeta estão próximas ao fim dos anos 1850 e, ainda que sejam a época de "O pintor da vida moderna", fica claro que Baudelaire percebeu que os benefícios da modernidade eram paradoxais. O poeta queixa-se ao afirmar que "o gosto exclusivo do Verdadeiro (nobre aptidão, quando aplicada a seus fins próprios) oprime o gosto do Belo" (1998; 136). Para ele a fotografia exprime a "Verdade" e ela é inimiga da Arte, precisamente quando os poetas resolvem pintar o que vêem (como a fotografia) e não o que sonham. A "Verdade" aplicada à fotografia que registra o que vê, hoje é facilmente manipulada. Ela deixa de ser "Verdade" quando pode ser forjada pelos meios presentes na mídia, pelo próprio escolher do foco ao registrar algo. O recurso do photoshop impossibilita afirmar a "Verdade" de uma fotografia. Berman afirma que a "atitude polêmica de Baudelaire contra a fotografia exerceu extrema influência no sentido de definir uma forma peculiar de modernismo estético, que impregna nosso século" (1998; 137). Dessa forma o "progresso" e a "poesia" são excludentes.


2. O Heroísmo da Vida Moderna
O segundo tópico de Berman apresenta o herói da modernidade. E, neste sentido, o ponto crucial do heroísmo moderno "é que ele emerge em conflito, em situações de conflito que permeiam a vida cotidiana no mundo moderno" (1998; 140). Assim, a arte deve apreender e tirar da vida moderna a sua matéria. Mas a modernidade não se repete, não se vive uma mesma situação duas vezes, tudo é muito rápido e nesse sentido é difícil apreender a modernidade.
O mundo da moda, a energia elétrica, o caleidoscópio estão para serem recriados. O pensamento mais denso sobre a modernidade, de Baudelaire, tem sua manifestação após "O pintor da vida moderna" com seus poemas em prosa que ele não conseguiu terminar e publicar em vida; mas alguns, em 1868, após a sua morte, foram publicados.
Benjamin foi o primeiro a perceber a riqueza desses poemas em prosa e Berman afirma ter toda a sua reflexão nos ensaios de Benjamim, porém Berman encontrou resultados outros. Para Berman, "onde Benjamin oscila entre a total imersão do Eu moderno (o de Baudelaire, o seu próprio) na cidade moderna e o total alheamento em relação a ela" (1998; 143) é onde Berman tenta "recapturar as correntes mais constantes do fluxo metabólico e dialético" (1998; 143).
Baudelaire é reconhecido universalmente por ser um escritor urbano e a sua presença na Paris remodelada e reconstruída por Haussmann sob a autoridade de Napoleão III permite ao escritor envolver-se na multidão e num trabalho de "ócio" (passear pela cidade) fazer seu trabalho. Baudelaire entusiasmado com o heróico homem de negócios embebe de uma atmosfera sensual e envolve-se (épouser) com Paris o suficiente para fazer propaganda gratuita da cidade. Numa linguagem "cotidiana" que servem às modulações dos sonhos, aos impulsos líricos da alma e aos sobressaltos e saltos da consciência têm-se as experiências que brotam de Paris aos olhos e sonhos de Baudelaire.

3. A Família de Olhos
Os olhos não são diferentes nos pobres ou ricos. A fascinação pode ser notada em qualquer olhar, seja ele um olhar do resignado ou do usufruído. Diante das mudanças operadas por Haussmann, na Paris que o flâneur Baudelaire confrontava as classes sociais, o "moderno" bulevar surpreendia todos os olhares. Não é o olhar do desprovido de sorte que inveja os que podem desfrutar do café dourado, mas sim os "privilegiados" que sentem incomodados por uma família de olhos incapazes de custearem o esplendor do café. Na Paris remodelada, o contraste econômico, social e estético será eternizado pela e na modernidade. O "conflito" do casal apaixonado que quer distância do incomodo olhar da família de olhos explicita a sombra do não resolvido na cidade iluminada. Os paradoxos existem porque são traços da modernidade. A nova iluminação proporcionada por Haussmann trará à luz o obscuro que traja farrapos, o dourado do café contrastará com a miséria. Não adiantará ao casal tentar olhar para um outro lugar, a cidade de Haussmann está fadada a conviver com a miséria e o luxo, em um confronto constante.

4. O Lodaçal de Macadame
Macadame é um sistema de calçamento, consiste numa camada de pedra britada com cerca de 0,30m de espessura, aglutinada e comprimida. Seria hoje a pavimentação que temos nas cidades e rodovias. Esse sistema de pavimentação que facilita a vida das pessoas também foi uma das benfeitorias proporcionada por Napoleão III e Haussmann a cidade de Paris e permite um tráfego moderno, separando os "carros" dos pedestres.
Berman, ao analisar o poema em prosa "A perda do halo", acrescenta que Benjamin parece ter sido o primeiro a sugerir afinidades entre Marx e Baudelaire, e expõe que Baudelaire ao satirizar a perda do halo no lodaçal, está, na verdade, criticando sua crença maior: "a santidade da arte" (1998; 151). Neste sentido, a Paris reconstruída não só permite o confronto entre a família de olhos pobres e a perda do halo, como serve de aprendizagem ao homem que deverá se ambientar com o novo. Paris exige agora um novo comportamento de cavaleiros e transeuntes, é preciso adaptar-se ao turbilhão proporcionado pelos bulevares.
"A perda do halo" para Baudelaire vem a ser ganho, o poeta percebe "que a aura de pureza e santidade artística é apenas incidental e não essencial à arte e que a poesia pode florescer perfeitamente [...] no outro lado do bulevar, naqueles lugares baixos" (1998; 155). O macadame deixou "igual" o elevado e o baixo ao pavimentar tudo.
De acordo com Berman "não importa quão opostos o modernista e o antimodernista julguem ser: no lodaçal de macadame e segundo o ponto de vista do tráfego interminável, eles são um só" (1998; 157).

5. O Século XX: O Halo e a Auto-estrada
Para Berman o modernismo das cenas modernas de Baudelaire é fresco e contemporâneo. Mas, seu espírito e suas ruas, são arcaicos. Isso porque os conflitos de Baudelaire não são mais os mesmos do século XX, e os conflitos atuais são mascarados de uma outra maneira. Há outros "halos" para substituir o caído no lodaçal de macadame, aliás, há tantos "halos" quanto bolsos para comprá-los.
O desenvolvimento chegou até a rodovia. A arquitetura do século XX tem Le Corbusier no planejamento, ele apresentará "uma terceira estratégia que conduzirá a outro e extremamente poderoso tipo de modernismo" (1998; 160). Le Corbusier é em um momento o homem que luta no trafego de macadame e num seguinte já é senhor dos movimentos que o macadame exige, adaptou-se, é um homem moderno e necessita das mudanças para cumprir seus compromissos heróicos. Agora é necessário o homem no carro.
Na nova cidade as pessoas e os espaços já estão organizados e protegidos, diferente da cidade habitada por Baudelaire. "A trágica ironia do urbanismo modernista é que seu triunfo ajudou a destruir a verdadeira vida urbana que ele [Baudelaire] um dia almejou libertar" (1998; 163). Berman defende que há em Baudelaire algo que faltou a maioria dos seus sucessores: "a vontade de combater até a exaustão as complexidades e contradições da vida moderna, a fim de encontrar e criar a si mesmo em meio à angústia e à beleza do caos" (1998; 164). Neste sentido o modernismo de Baudelaire se revela ainda mais essencial ao tempo de hoje do que o foi então. Berman defende que "os homens e mulheres urbanos de hoje talvez sejam aqueles com quem, em sua própria imagem, ele [Baudelaire] esteve desde sempre épouse" (1998; 165).



P.S.: resenha para uma das disciplinas feitas em 2005.

Cleiry de Oliveira Carvalho

5 comentários:

  1. http://twitter.com/LehandroMartin

    Leandro Martin
    Ótima resenha!
    Li esse capítulo hoje da obra: Tudo que é sólido desmancha no ar, e me ajudou muito no complemento de minha compreensão do mesmo!

    Valew!

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  2. Olá Leandro!


    Essa resenha fiz na época que estudava, em 2005. Na verdade preciso reler o livro inteiro :)

    De qualquer forma, bom saber que foi útil para você.

    Valeu :) ter postado!

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  3. Que resenha maravilhosa. Esta me ajudando muito nas anotações de DLnotes.

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    1. Resenha da época do mestrado, foi um aprendizado esta obra!

      Bom saber que ajudou você também!

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  4. Resenha muito boa,me ajudou no meu trabalho do ensino médio!

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