sexta-feira, 1 de abril de 2011

"O Prazer do Texto" (para resenhar)

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Barthes, Roland. O Prazer do Texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva.
Nesta obra pós-estruturalista de Barthes, a escrita lírica e literária é uma ruptura com a significação estrutural a favor, também, de uma possível leitura erótica do texto. O pacto no espaço do "entre" autor/leitor possibilita que o último corte a corda e contente-se no prazer que a escrita permite.
O "entre" é quase uma categoria em O Prazer do Texto. Obra que visita o tempo
todo essa noção: desde sua assunção, de saída, como um sujeito contraditório, ao passar pela "margem de indecisão" resguarda entre a conceituação dos textos de prazer e de gozo, até sua afirmação da dupla e contraditória perversidade, de afirmar igualmente a experiência do prazer - ligada à cultura, à afirmação da identidade - e aquela do gozo, ligada à perda, à fenda, ao distanciamento da cultura. A "fenda" que é uma noção importante dessa obra, uma outra figuração do "entre": a fenda é o lugar mesmo da erotização, do gozo: não se goza com a destruição, puramente, da cultura ou do sentido, mas com as transgressões sutis que se consegue criar entre essas bordas. Daí a negação de Barthes à mera destruição do sentido, à vanguarda como violência: negligenciando o lugar do entre, a violência perde o espaço da erotização; a violência está a um passo do estereótipo, da repetição, da doxa - de tudo aquilo que consiste.
Para este Barthes, a leitura é um jogo erótico. Contudo, escrever no prazer não assegura que o prazer chegue ao leitor, é preciso criar um espaço de fruição. E a escritura é a ciência das fruições da linguagem, é a porta de acesso ao imaginário e ao ideológico. Entendemos que a escrita barthesiana se move no intervalo sutil entre o texto de vanguarda (que adia a fluência da leitura e impõe sobre ela seu próprio e necessário ritmo de leitura) e o texto "clássico" (que mantém um compromisso com uma prática de leitura confortável).
Barthes defende em O Prazer do Texto dois tipos de textos: texto de prazer e texto de fruição; e dois regimes de leitura que circundam os textos. O exemplo de texto de prazer (clássico) de que se serve Barthes é aquele que nos faz escolher as páginas a serem lidas, sem que haja perda do entendimento do texto em si. Que o leitor pode seguir a ordem do texto ao escolher as passagens a serem lidas e, depois, retomar a leitura, sem pular as mesmas páginas. Já o texto de fruição (vanguarda) é o que nos causa estranhamento, seja na linguagem, seja na temporalidade da leitura, ou seja, este texto não flui, apenas frui. É o texto que o leitor obrigatoriamente tem que se debruçar sobre ele para que o mesmo se torne legível, porém não será possível falar sobre ele a não ser à maneira dele.
Para o autor, o primeiro é "aquele que contenta, enche, dá euforia (p.21)", aquele que é oriundo da cultura do leitor e que não questiona e nem rompe com o conforto da leitura. Já o segundo texto é o que "faz entrar em crise (p. 22)" a própria relação com a linguagem, é o que desconforta, o que faz vacilar os valores e lembranças. Há, n'O Prazer do Texto, uma valoração do autor para o primeiro texto. Para Barthes "o prazer do texto seria irredutível a seu funcionamento gramatical (fenotextual), como o prazer do corpo é irredutível à necessidade fisiológica (p. 25)".
Há ambigüidade do prazer (contentamento) do texto e fruição (desvanecimento) do texto é percebida pelo autor:
[...] se eu digo que entre o prazer e a fruição não há senão uma diferença de grau, digo também que a história está pacificada: o texto de fruição é apenas o desenvolvimento lógico, orgânico, histórico, do texto de prazer, a vanguarda não é mais do que a forma progressiva, emancipada, da cultura do passado: o hoje sai de ontem[...] Mas se eu creio, ao contrário, que o prazer do texto e a fruição são paralelas [...] que o texto de fruição surge aí à maneira de um escândalo [...] longe de poder acalmar-se levando em conjunto o gosto pelas obras passadas e a defesa das obras modernas num belo movimento dialético de síntese, nunca é mais do que uma "contradição viva": um sujeito clivado, que frui ao mesmo tempo, através do texto, da consistência de seu ego e de sua queda (p. 30). (destaques do autor).
Essa ambivalência presente na própria definição de Barthes, ainda que tenha respaldo na psicanálise (o prazer é dizível, a fruição não é), faz com entendamos que só é possível da fruição resultar o prazer, apenas quando esse texto de fruição atingir um outro texto de fruição. Só que se o prazer do texto, para Barthes, "não é um elemento do texto, não é um resíduo ingênuo (p. 33)", só haverá prazer quando um texto (qualquer que seja ele) entrar em um outro texto, seja ele do domínio do clássico ou da vanguarda. Então que poderá haver prazer na crítica de um texto de prazer, ainda que seja um prazer por outras vias, afinal, para Barthes, o prazer do texto é atópico.
Se nos pautarmos na aplicação da obra O Prazer do Texto, na própria obra, para entendermos texto de fruição e texto de prazer, verificaremos que há, em Barthes, uma clivagem do escritor de prazer e do escritor de fruição. Há uma fina percepção histórica de Barthes que situa sua própria escrita em concordância com um momento em que as vanguardas deixavam de fazer sentido. Nem clássico, rigorosamente falando (este pertence ao paradigma da representação), nem vanguarda (estas estão presas ao paradigma da violência). A nossa assertiva respalda-se na escrita de Barthes para afirmar o escritor de prazer, e na escolha da estrutura da forma para afirmar o escritor de fruição.
Essencialmente, a escrita de Barthes se mantém dentro de uma aventura do sentido. Ela estica no limite, sem romper, o elástico da legibilidade; pluraliza, sutiliza, complexifica, mas nunca deixar de valorizar o sentido. Algo entre o prazer e o gozo, entre o legível e o "escrevível", entre a vanguarda e o clássico. Uma escrita, que, sem quebrar em nenhum momento o pacto da literatura - de questionar o leitor, surpreender, frustrar expectativas, melhorar seu repertório -, nunca deixa de quebrar seu próprio e tácito pacto: o de possibilitar uma experiência agradável de leitura.
Se, ao lermos a obra inteira objetivamos o entendimento de sua escrita, nenhuma página poderá ser pulada. Mas se o fazemos, perceberemos que o próprio autor prévio isso na sua escrita, já que o mesmo fragmenta o "tema" e o aborda de maneiras quase sempre iguais ao longo da obra. Nesse sentido este é um livro de prazer.
Mas se o leitor não é familiarizado com o "tema" da obra, toda e qualquer repetição que há na mesma, tem o intuito apenas de fazer com que esse leitor, ao se debruçar sobre ela, possa fruir. Mas o mesmo jamais dará conta de contentar-se com ela devido ao fato de a mesma causar estranhamento, enfado ("O enfado não está longe da fruição: é a fruição vista das margens do prazer (p.36)") seja por sua formatação, seja por sua ambivalência. Neste sentido esta obra também é uma escrita de vanguarda devido ao fato de ofertar resistência, o que interfere no ritmo da leitura e exige que seja mais lenta. Embora, estruturalmente, por subtração, cortes, elipses, concisão o autor busque a velocidade, da perspectiva do leitor essa estrutura textual resulta precisamente em seu contrário: a lentidão.
Quanto mais lacunas no texto, mais o leitor deve preenchê-las. Os textos de vanguarda afetam, portanto, a temporalidade da leitura, obrigando-o a um ritmo lento, minucioso, concentrado. Ou seja, há fragmentos neste texto que são econômicos, mas exigem muito mais do leitor. Esse "muito mais" pode ser, enquanto ritmo, ágil, fluente, desimpedido: tempo de associações, tempo de movimento.


P.S.: resenha para uma das disciplinas feitas em 2005.

Cleiry de Oliveira Carvalho

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