sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Da Imperfeição" (para resenhar)

GREIMAS, Algirdas Julien. Da Imperfeição. (Trad. e pref. Ana Claudia de Oliveira; apres. Paolo Fabbri, Raúl Dorra e Eric Landowski). São Paulo: Hacker Editores, 2002.



"Todo parecer é imperfeito", disse Greimas num tom filosófico. Resta ao leitor acatar (ou não) a escrita e seguir a leitura do Da Imperfeição. Por questão de pouquíssimo conhecimento das obras do semioticista, foi necessário tomar o caminho do passo a passo. Assim foi a leitura, hora a inserção de um ponto de interrogação, hora um de exclamação. As exclamações aconteceram por conta da apresentação de os Paolo Fabbri, Raúl Dorra e Eric Landowski; eles,
na medida em que concordam ou questionam a imperfeição do escrito, permitiram esclarecer algumas gestalt e realçar a face de outras. É necessário ir ao que resta.
Iniciar uma leitura sem nenhum aparato teórico pode resultar num bom exercício. A mente ainda não está (des)formatada para a leitura do grande leitor que é o crítico. É essa a leitura que aqui será resenhada, a impressionista. Sem querer prender ao pouco que uma crítica impressionista oferta, mas, apenas por ser esse o caminho que o livro chama. Neste sentido, pretende-se levantar a natureza da imperfeição que a leitura do livro causou.
A escrita de Greimas se deu por um viés humanizador. A imagem do quadrado que antes da leitura estava formado misturou-se aos textos pelo autor analisado de tal forma que nada mais há do quadrado que nunca houve neste livro. A busca do sentido, iniciada por Greimas, instaurou, enquanto imperfeição, à busca do encontro. Esse, nas páginas do Da Imperfeição foi aos poucos, bem pouco.
Começar-se-á pela impressão da leitura de Greimas dos textos literários. Ainda que Paolo Fabbri tenha, na sua introdução (p. 98), apresentado três níveis de análises desses textos literários (lexical, gramatical e discursivo) a leitura que aqui se apresenta é a de que, ainda que elas sejam, como categorizou Paolo Fabbri, lexical, gramatical e discursiva, elas são, antes de tudo, impressionistas. Efetivamente não será questionada a competência de Greimas para fazer análises impressionistas, mas, ao mesmo tempo, o quanto o fato de a análise dele ter sido impressionista somar na busca do sentido de que o autor tanto fala. Greimas é o sujeito ético e teorético, ou seja, um sujeito (a)sujeitado pelo cientista e que reconhece cientificamente os princípios de uma análise impressionista para transcender a sua discussão.
A subjetividade da obra Da Imperfeição está presente do inicio ao fim. Os títulos escolhidos pelo autor inserem ao leitor um misto de prazer e fruição (no sentido de Barthes). A própria linguagem de Greimas é um tanto barthesiana. Então que ao leitor "A fratura" não se dá no início. Como iniciar a leitura fraturada da obra se a primeira ótica é o deslumbramento? E no deslumbramento o que se tem são articulações de seqüências discursivas, a definição dicionarizada de deslumbramento e o "paralelismo impressionante" (p.28). Por síntese, a espera, a ruptura que é a fratura. "O Guizzo" introduz a estética, o plano visual e tátil, a busca do eidético. A essência da escrita de Greimas é filosófica e, a ele, a "ruptura da isotopia estética e o retorno à 'realidade' ocorrem, inevitavelmente, com a passagem do reino da beleza à república do gosto (p.38)". "O odor do jasmim" traz a espera que é ao mesmo tempo paciência e não-paciência e o imaginário é uma potencialidade da construção do objeto. "A cor da obscuridade", por um viés impressionista da gramática, realça a unicidade da experiência estética analisada por Greimas e a recusa do ver o momento sublime. "Uma mão Uma face", na sua sutil relação com o sujeito, instala uma dimensão patêmica, e, talvez apenas o leitor indolente (ou sibarita) estabelecerá a conjunção entre o sujeito e o artefato estético.
Há, em "Uma mão Uma face", análise que não foi possível separar mentalmente os elementos focados por Greimas. Trata-se da análise que Greimas conclui da seguinte maneira: "primeiramente chama a atenção nessa passagem final do texto o desaparecimento completo dos verbos de ação no instante mesmo da ação decisiva. O efeito de sentido produzido é, evidentemente, a instalação, diante do leitor, de um significante 'purificado' (p.63)". Greimas conclui que a falta do verbo de ação coaduna com a paralisação do tempo. É possível sim que a ausência do verbo possibilitasse essa leitura; mas, ainda que assim fosse (não existisse o verbo) a apresentação do ambiente e, por fim, o homem na cadeira, já traria o próprio tempo, a hora da morte. Talvez o equivoco da afirmação da ausência do verbo seja irrelevante; mas os três exemplos textuais, em qualquer dos idiomas, aponta para uma possível especulação do cientista (lire/leyendo/lendo).
"As escapatórias": se a parte primeira não transcendeu, está se propõe a opor-se. "Imanência do sensível" reúne observações sobre a estética da vida cotidiana e as junções possíveis das sensações produzidas pelas linguagens.
Greimas permite ler por "fratura estética" que a estesia emerge nos raros momentos em que a relação do homem com o mundo é fraturada pela percepção explosiva e momentânea de um fato ou detalhe da empiria carregado de impressões polissensoriais. A suspensão instantânea de nossa limitada compreensão/apreensão do mundo proporciona um sentimento arrebatador, que, pela sua fugacidade e intensidade, não só se revela por meio da imperfeição, como revela, com mais agudeza, a condição de nossa imperfectividade.
"Uma estética exaurida" repete a questão patêmica e traz a futilidade do cotidiano para o olhar do cientista pelo prisma da estética. Ainda exalta os valores anestésicos presentes na usura e no uso para que seja possível uma conjunção com "A espera do inesperado". O autor continua servindo-se dos exemplos cotidianos e questiona a possibilidade de uma sintaxe da vida, resgata Baudelaire, o dandismo e a concepção de beleza.
Disso se conclui sobre essa obra que nenhuma metalinguagem esotérica, uma escritura com levidade, fluida, figurada, um "eu" e uma sensibilidade que imediatamente se sentem presentes e, conseguem nos fazer partilhar a intuição, a intensidade, a exatidão de alguns instantes de pura emoção estética. Tudo isso faz de Da Imperfeição um livro belo, e mesmo um muito belo livro. Tão belo que dificilmente haverá continuidade entre os procedentes da semiótica.
Greimas encerra questionando a possibilidade de edificar a espera do inesperado sobre a areia. O inesperado, para nós leitores, será um "esperado".


Resenhadas a leitura de algumas das idéias movediças que o texto apresenta. No entanto, esse é um texto para ser lido e relido de uma maneira quase auto-ajuda. De um lirismo notável o autor se prende a exposição de suas impressões e a "Imperfeição" fica por dizer. O exposto neste livro serve para que não nos tornemos greimasianos no sentido do quadrado elaborado por ele, mas que entremos para os textos também pelo lado empírico e, não apenas racional. Ainda, que a soma do diversos modos de ler uma obra literária é o que contribui para que se chegue ao leitor ético teorético e não só as aplicações dos quadrados, assunto sequer tocado neste livro. Com essa obra é possível afirmar que o quadrado já foi esquecido pelo autor e que sua ciência é fonte para que outras nasçam de si. Da Imperfeição resulta na conclusão de que tudo ainda está por ser feito quando o assunto é análise de textos literários. É possível, ainda, ler que esse livro tem a preocupação de resgatar a humanidade que há nas pessoas e nos textos literários para que isso forme cidadãos mais felizes. Ressaltamos que lemos de maneira pertinente a colaboração crítica de Paolo Fabbri, Raúl Dorra e Eric Landowski. São apresentações quase que sacralizando a incompletude da discussão de Greimas neste Da Imperfeição.




P.S.: resenha para uma das disciplinas feitas em 2005.
Cleiry de Oliveira Carvalho

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