Nesse 2º semestre de 2013 trabalhei na disciplina Literatura Infantil as obras do Monteiro Lobato. Indiquei aos alunos pelo menos quatros textos (todos retirados da internet) sobre a obra do Monteiro e que falavam de eugênia, do tratamento que os negros receberam nas obras do autor. Também indiquei um outro livro, com vários artigos de estudiosos da obra do Monteiro (não é propaganda, mas vale a pena ler: Monteiro Lobato - Livro a Livro. Ceccantini, João Luís; Lajolo, Marisa / UNESP). O fato é:
todos os alunos, tomados pelos 4 textos da internet, procuraram na sua obra de estudo algo que demonstrasse o racismo na obra lobatiana, todos (são quase 60 alunos no total). Se a obra tinha 100 páginas, e nessas 100 (cem) páginas e apareceu 1 (uma) linha falando da tia Nastácia na condição de "negra beiçuda", foi suficiente para que o racismo fosse contemplado na abordagem avaliativa, ainda que em alguns casos fosse para dizer: "não existe tratamento racista na minha obra estudada". A maioria esqueceu o livro organizado pelo Ceccantini e a Lajolo, que não tinha essa preocupação com o racismo, mas sim com o papel inovador do Monteiro Lobato na literatura infantil brasileira. Alguns alunos ficaram verdadeiramente revoltados com a Emília e mais ainda com os xingamentos usados por ela, principalmente em relação a tia Nastácia. Quase não viram a defesa da Narizinho ou do Pedrinho.
todos os alunos, tomados pelos 4 textos da internet, procuraram na sua obra de estudo algo que demonstrasse o racismo na obra lobatiana, todos (são quase 60 alunos no total). Se a obra tinha 100 páginas, e nessas 100 (cem) páginas e apareceu 1 (uma) linha falando da tia Nastácia na condição de "negra beiçuda", foi suficiente para que o racismo fosse contemplado na abordagem avaliativa, ainda que em alguns casos fosse para dizer: "não existe tratamento racista na minha obra estudada". A maioria esqueceu o livro organizado pelo Ceccantini e a Lajolo, que não tinha essa preocupação com o racismo, mas sim com o papel inovador do Monteiro Lobato na literatura infantil brasileira. Alguns alunos ficaram verdadeiramente revoltados com a Emília e mais ainda com os xingamentos usados por ela, principalmente em relação a tia Nastácia. Quase não viram a defesa da Narizinho ou do Pedrinho.
- Emília: “Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras - coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto!”
- Pedrinho: “As negras velhas são sempre muito sabidas. Mamãe conta de uma que era um verdadeiro dicionário de histórias folclóricas, uma de nome Esméria, que foi uma escrava de meu avô. Todas as noites ela sentava-se na varanda e desfiava histórias e mais histórias”.
- Ainda o Pedrinho: “Tia Nastácia é o povo. Tudo o que o povo sabe e vai contando de um para outro, ela deve saber. Estou com o plano de espremer Tia Nastácia para tirar o leite de folclore que há nela”.
Outros não entenderam a razão de a obra As caçadas de Pedrinho ter sido censurada em pelo menos dois Estados brasileiros se nas outras obras apresentadas o "racismo" era muito mais evidente. Aproveitei para chamar a atenção para dois elementos fortes nessa obra: primeiro (na caçada da onça) a possibilidade de uma revolução (na organização dos bichos após a morte da onça), segundo (na caçada ao rinoceronte) a crítica ao governo valida até os dias de hoje.
Mas o que me leva a escrever sobre isso? Não se trata de uma aula, óbvio, nem do incomodo na análise da obra lobatiana revelado pelos alunos. Tampouco discorro sobre o "racismo" na obra literária, na verdade não julgo e nem censuro a obra do Lobato, ou outra, por tratar dessa temática, independente da forma. Posto isto, o que me move? Na manhã de hoje, 1/12/13, deparo com um depoimento feito ontem por um amigo, negro. Ele o fez em rede (fonte: https://www.facebook.com/gustavo.arnt.7?fref=ts) e por isso segue aqui, na íntegra:
Eu e Aline fomos hoje a um restaurante italiano na 201 Sul comemorar nossos quatro anos de namoro, mas fomos surpreendidos por uma "atitude suspeita" --- algo a ver com o fato de sermos os únicos negros no lugar? Na chegada, na nossa frente havia um casal, que teve a porta aberta para eles e que foi conduzido até sua mesa; já nós tivemos que abrir a porta por nossa conta, avançar até o fundo do salão, para só então alguém vir nos atender. Eu digo que há uma reserva em meu nome (havíamos pedido uma mesa mais reservada), mas o garçom faz uma confusão, diz não saber direito da reserva e nos encaminha para a primeira mesa que vê pela frente. Nós sentamos, o mesmo garçom vem e pergunta se nossa reserva é Groupon! (Vontade de dizer: - Groupon é seu cu! --- nada contra o Groupon, já até usei, embora também tenha sido estranho na ocasião, mas wtf!) O garçom some pelo salão, vem outro (esse até educado) e fazemos o pedido. Enquanto comíamos, ao contrário do que costuma acontecer nos outros restaurantes que costumamos frequentar, em momento algum perguntaram se estava bom, se queríamos mais alguma coisa, etc. (a propósito, o prato da Aline estava ótimo, o meu estava bem fraquinho). Quando terminamos, levou uma vida para tirarem os pratos. O garçom que retirou os pratos não se deu nem ao trabalho de perguntar se queríamos mais suco ou sobremesa --- parecia que quanto mais rapidamente fôssemos embora, melhor. Poderia ser apenas uma típica situação de atendimento ruim (e quem está acostumado a frequentar os bares e restaurantes do DF sabe que isso é bem frequente, embora nos restaurantes mais caros costume ser melhor), porém os mesmos garçons que nos trataram com indiferença, desdém e desleixo estenderam tapetes vermelhos aos dois jovens casais (brancos) que sentaram à minha direita e faltaram se jogar no chão para o casal de senhores (brancos) que chegou acompanhado de uma amiga (branca) enquanto comíamos (o garçom que nos recepcionou da forma rude que descrevi acima ficou servindo essa mesa de forma exclusiva e gentil, quase como um mordomo, e misteriosamente não perguntou a eles se a reserva era Groupon!). Como estávamos todos igualmente bem vestidos, iríamos todos pagar a conta, nem eu nem a Aline temos "professor" tatuado na testa e não estava carregando minha biblioteca marxista, a única coisa que explica o atendimento ruim seletivo é a cor, essa sim (com muito orgulho) gravada na pele, indisfarçável com qualquer roupa ou cartão de crédito. O mais cruel disso tudo é que não falam abertamente que não te querem ali porque você é preto, não proíbem sua entrada ali porque você é preto, mas sutilmente fazem de tudo para você se sentir mal porque é preto e nunca mais voltar porque é preto. Me lembrei na hora de uma história do Fausto Wollf contada pelo Pichonelli (http:// www.cartacapital.com.br/ politica/ reacoes-as-cotas-subestimam-o-r acismo). Depois eu até pensei: isso é que dá ir a um lugar 'burguês' até no nome, devia não ter ido (e nesse restaurante realmente não irei mais). Porém, tenho consciência de que a presença do negro nesses lugares reservados é um gesto político e faço questão de ocupá-los e fazer valer nossos direitos. Sendo assim, a palavra de ordem aos pretos é OCCUPY!!! Occupy o Pier 21, o Iguatemi, o Espaço Itaú, o CCBB, a UnB, o Itamaraty, o Planalto, o Lago, o Pontão...#preconceitoracialnaoemalenten dido
Ainda é possível nos chocarmos com Lobato pelo que ele representa/denuncia na sua obra. Mas, diante do que acontece hoje, agora, os tratamentos continuam agressivos, mas, na minha opinião, conseguem ser ainda piores. Mas não é suficiente apenas ficar chocado, é preciso denunciar. O restaurante que o Gustavo e a Aline foram? Villa Borguese, em Brasília. É, como ele mesmo disse é preciso ocupar os lugares. É preciso combater.
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